A palestra fez parte da quinta edição do Congresso Jurídico Integrado de Maringá (Conjuri) e segundo Congresso Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e procurou mostrar o novo papel desempenhado pelo Judiciário, como porta-voz das minorias.
Por não considerar a questão da homoafetividade um assunto polêmico, o promotor frisou que estava trazendo duas grandes novidades para os juristas locais: a revelação de que o direito de família, hoje, à luz da Constituição, está em plena ebulição e o Judiciário está ocupando um espaço precioso deixado pelo vazio de instituições como o Congresso.
"O Judiciário tem levantado o pano dos direitos, sem medo do preconceito", frisou o promotor, indo mais além, analisando também o empobrecimento intelectual do Executivo e do Legislativo, que tem motivado a abertura de um espaço que vem sendo ocupado pelo Judiciário. Para ele, uma ocupação saudável, permitida pelo modernidade do texto constitucional de 1988.
"O Supremo, como uma corte constitucional, teve que garantir o direito
dessa minoria (homossexuais), para que ela não fosse espezinhada pela maioria’’
Ricardo Lopes
O DIÁRIO - O direito de família mudou a partir da decisão do STF?
Clilton Guimarães dos Santos - Não só por essa decisão... É preciso levar em consideração a evolução do conceito de família. A família sempre foi reconhecida como uma instituição fundamental, mas em constante mutação. A família tem uma estrutura e uma organização que são sempre cambiantes. Serve a um propósito interno, mas tem vínculo com as concepções morais de cada época.
O DIÁRIO - É uma sociedade em miniatura?
Clilton Guimarães dos Santos - Já houve quem dissesse que a família é um miniestado. A nossa família é baseada na família romana, que era o modelo de um microcosmo de um estado. A família evolui muito em função dos conceitos sociais, de visões morais contemporâneas. Falo sobre isso para argumentar que foi esse processo que permitiu que, num espaço de 22 anos, a evolução da interpretação do texto da Constituição permitiu que o Supremo garantisse a união estável homoafetiva. Quando a Constituição veio à tona, essa hipótese ainda não era vislumbrada. Embora fosse parte do fenômeno social não havia ainda um debate mais amplo. Os meios de comunicação não haviam atentado para isso como parte do exercício da cidadania. A partir do momento em que houve uma evolução por parte da sociedade, sobre o que seria a cidadania, e a importância de que a igualdade está no reconhecimento das diferenças, na tolerância de concepções e modos de vida. Na medida em que isso tudo foi evoluindo, foi abrindo caminho a essa possibilidade de interpretação.
O DIÁRIO - O Supremo abriu uma porta?
Clilton Guimarães dos Santos - Exatamente. Uma porta, com grandes possibilidades.
O DIÁRIO - É preciso agora toda uma legislação para garantir esse direitos?
Clilton Guimarães dos Santos - Não necessariamente. Porque uma vez que o Supremo reconheceu a possibilidade da união estável, esse direito já se coloca imediatamente em conformidade com a legislação que já existe para aqueles que têm uma orientação heterossexual no Código Civil. Eles se equiparam... A decisão do Supremo garantiu essa igualdade e com uma evolução interessante e irreversível. Hoje, já tem sido constatado a existência de algumas decisões que converteram a união estável em casamento. A discussão a partir de agora é o casamento civil gay e já há decisão em São Paulo permitindo a habilitação para o casamento de um casal homoafetivo. Nem passa pela união estável, já pode ir direto ao casamento. Essa é uma evolução natural.
O DIÁRIO - Aconteceu semelhante com a adoção, não foi?
Clilton Guimarães dos Santos - Exatamente. A adoção por um casal homoafetivo era um tabu. Havia uma grande dificuldade de aceitação. E hoje, sem se falar muito, já há um volumoso número de adoções pelo Brasil afora. Houve um entendimento de que não há nenhum impedimento relativo a isso; não podemos punir alguém por usa orientação sexual e muito menos impedir que uma criança seja adotada .
O DIÁRIO - E tudo isso é absorvido por nossa Constituição?
Clilton Guimarães dos Santos - Nossa Constituição é uma das melhores do mundo e permite essa evolução. Se você tiver uma adoção homoafetiva, ainda que seja unilateral, de uma única pessoa só adotando uma criança, você tem uma família monoparental, que está prevista na Constituição. Na verdade é uma tendência irreversível porque é a tendência da igualdade, da reconcepção da família, da cidadania.
O DIÁRIO - O Brasil não chegou tarde para esse debate?
Clilton Guimarães dos Santos - Esse é um assunto que foi resolvido em muitos lugares há 10 anos. Outros países resolveram a questão mais recentemente, mas fizeram isso no plano político, no congresso nacional, enquanto que nós precisamos de uma intervenção do Supremo. E essa intervenção denota a omissão da classe política em relação a esse assunto. O Supremo, como uma corte constitucional, teve que garantir o direito dessa minoria, para que ela não fosse espezinhada pela maioria representada pela classe politica, formada por pensamentos majoritário transitórios.
O DIÁRIO - Os políticos se omitiram nessa discussão?
Clilton Guimarães dos Santos - Hoje, temos uma classe política completamente envolvida ou escondendo-se por traz de uma moral religiosa, sem qualquer interesse em debater a questão da cidadania plena, para todos. E no caso dos homossexuais, estamos falando de uma categoria de pessoas, em grande parte pensante, muitos com poder aquisitivo bastante razonável, que conseguiu se aglomerar e ter seus direitos garantidos pelo Supremo, mas há outras questões sociais tão graves quanto, que pelo mesmos preconceitos não serão resolvidas nunca se não houver uma intervenção do Judiciário.
O DIÁRIO - Por exemplo...
Clilton Guimarães dos Santos - A questão da política de cotas de raças. São grupos até mais numerosos, mas que não conseguem ter a mesma influência. Ficam ocultados por traz dessa fileira de preconceitos no plano político.
O DIÁRIO - O STF é o melhor caminho para a garantia dos direitos dessas minorias?
Clilton Guimarães dos Santos - O Supremo não é o melhor caminho e nem pode se tornar um caminho institucional corriqueiro para a solução de grandes questões políticas. Mas o grande papel do Judiciário, num Estado de direito, é garantia de que maiorias não espezinhe minorias. Quando isso acontece o Judiciário tem que agir para garantir um mínimo existencial, porque toda nossa ordem institucional está sedimentada sobre a ideia de dignidade humana e quando a classe política se ausenta, se omite, evita discussões, o Judiciário sempre é chamado.
O DIÁRIO - O senhor considera nossa representação política deficiente?
Clilton Guimarães dos Santos - Que representação temos? Hoje há uma situação divorciada da realidade. Ninguém sabe exatamente quem o representa. Quem representa o seu pensamento. À medida em que a representação se enfraquece e que há um Estado ocupado por interesses econômicos de diversas categorias, passamos a ter uma democracia mais complexa, que exige mais do Judiciário. Hoje, o Judiciário define politicas públicas quando o governo se omite. Se aqui em Maringá o governo se omitir numa política de saúde para a infância ou para o idoso, o Judiciário intervém e impõe uma certa política para garantir o mínimo.
Clilton Guimarães dos Santos - A área política é muito pobre em debates dessa natureza. Isso é sinal dos tempos, do individualismo crescente, da modernidade, do fato de que as grandes ideologias se dissolveram. E hoje, a classe política ficou reduzida a um debate, em época de eleição, em torno de moralidade, de família tradição e propriedade, mas sem uma discussão mais aprofundada sobre o que seria isso e sem uma ideia completa sobre o que é cidadania.
O DIÁRIO - E o Judiciário tem ocupado esse vazio...
Clilton Guimarães dos Santos - Nesse ambiente é muito natural que o Judiciário intervenha e ocupe o espaço.
O DIÁRIO - Isso é saudável para a democracia?
Clilton Guimarães dos Santos - É saudável, se não servir de desestimulo à participação. Para mim é sugestivo. Parece-me uma revelação de que o quadro político falhou. Temos um Legislativo desaparecido, homologatório, individualista, burocrático, pouco influente, que é pautado, mas que não pauta. Isso reclama a presença do Judiciário.
O DIÁRIO - E não corremos o risco de chegar à ditadura do Judiciário?
Clilton Guimarães dos Santos - Não se pode pensar em ditadura do Judiciário, mas quando os outros poderes se omitem é preciso perceber que não há espaços vazios no território do poder. Há uma série de discussões que precisam vir à tona, como a questão da família incestuosa, que necessita de uma posição menos preconceituosa. O que fazer com concubinato? E as outras composições familiares, como a poligâmica? O ser humano é mutante e a família segue este ser humano. E as instituições não podem se omitir.
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